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segunda-feira, 28 de maio de 2012

A Triologia: Não, eu quero dizer que sou diferente



A Triologia: Não, eu quero dizer que sou diferente



Postado por Willa e Joie dia 24 de maio de 2012
Traduzido por Daniela Ferreira

Joie: Então, Willa, na semana passada começamos uma discussão sobre algo que você chama A Trilogia, e que tem a ver com a maneira como você se relaciona com três obras de Michael Jackson – "Ben", Thriller, e Ghosts – e como você acha que todas elas se encaixam juntoa em algum jeito e em algum tipo de forma de estética  de Michael Jackson.
Na semana passada, nós nos concentramos na música "Ben" e que mensagem poderosa de aceitação essa música carrega. Esta semana, eu estava esperando que pudéssemos dar uma olhada no curta metragem Thriller  e falar sobre como ele se encaixa nessa ideia de A Trilogia para você.

Willa: Bem, como já falamos antes, vejo desafiando as diferenças que nos dividem como foco principal da arte e da vida de Michael Jackson. Ele foi impulsionado por uma visão de todos nós unidos como um só povo, apesar das divisões de raça, sexo, nacionalidade, sexualidade, idade, religião, deficiência, ou quaisquer outras diferenças usadas  para segregar as pessoas em campos separados.
Vemos isso música após música, vídeo após vídeo, bem como em entrevistas e discursos e as instituições de caridade que ele apoiava. No entanto, para mim, há três obras em particular, que brilham como faróis e realmente desafiam os limites artificiais que nos separam, e as três são "Ben", Thriller, e Ghosts.

Joie: Isso é realmente interessante, Willa, porque, como eu disse na semana passada, eu nunca olhei para o curta-metragem Thriller, como abordando "as fronteiras artificiais", como você colocou ou as diferenças entre todos nós. Estou realmente interessada em saber como você vê isso.

Willa: Bem, é sutilmente manipulado – na verdade, é quase como se ele estivesse transmitindo a mensagem dele de uma forma préconsciente – mas todas as três destas obras culatram as fronteiras entre nós em maneiras novas e convincentes e eu especialmente vejo isso em Thriller.
Como todos sabemos, tanto Thriller quanto Ghosts são do gênero filme de terror. Mas, curiosamente, quando Alex Colletti perguntou a Michael Jackson, "Você era um fã de filmes de terror?" Em uma entrevista à MTV, em 1999, ele respondeu:
Acredite ou não, eu tenho medo de assistir filmes de terror. Honestamente, eu não gosto muito de vê-los. Eu nunca pensei que estaria envolvido em fazer esse tipo de coisa.
E evocar horror não parece ser o objetivo dele nestes dois curtas-metragens. Parece haver algo mais acontecendo.




Se olharmos atentamente para Thriller, descobrimos que ele é um tipo muito específico de filme de terror. Não se trata de aranhas ou cobras mutantes, ou um macaco enorme escalando o edifício Empire State, ou dinossauros trazidos de volta à vida através do DNA. Não se trata de um tornado especialmente letal ou maremoto ou um asteróide prestes a colidir com a Terra.
Não se trata de alienígenas extraterrestres tentando dominar o mundo ou uma infecção misteriosa varrendo a população. Não se trata de um maníaco homicida com uma serra elétrica ou um fuzil ou um gosto insaciável pelos companheiros humanos dele. Não se trata de uma previsão antiga de que o mundo vai acabar em duas semanas, ou o início da III Guerra Mundial ou holocausto nuclear, ou colapso ambiental. Não é nem mesmo um filme de monstro da mesma forma como Godzilla ou Criatura da Lagoa Negra.

Joie: Bem, você faz um ponto muito bom aqui, mas agora eu tenho medo que você me tenha querendo me enrolar  no sofá com alguns DVDs e uma grande tigela de pipoca!

Willa: Isso é engraçado! Devemos ter uma noite de cinema em algum momento, embora eu esteja avisando – eu sou uma covarde quando se trata de filmes de terror. Mas se olharmos atentamente para Thriller, descobrimos que é um tipo muito específico de filme de terror: é a história de um belo adolescente que atravessa fronteiras. Primeiro, ele atravessa a fronteira entre o lobo e o homem, mas ele não cruzar essa fronteira completamente.
Ele não se torna um lobo. Em vez disso, ele pára no meio do caminho e vem habitar este espaço intermediário, onde ele é tanto o lobo quanto o homem. Ele se torna um homem-lobo, um lobisomem. Mais tarde, ele confunde os limites entre os vivos e os mortos, e novamente vem a habitar esse estranho espaço no meio onde ele é tanto vivo quanto morto. Ele se torna um dos mortos-vivos, um zumbi.

Joie: Ok. Acho que vejo onde você está indo com isso. Basicamente, o que você está dizendo é que você sente que o personagem de Michael Jackson em Thriller está, de certa forma, simbilizando o abraçar as diferenças entre nós, o que falamos na semana passada, quando falavamos sobre  a música "Ben". No vídeo Thriller, o personagem dele está habitando essas diferenças e propositalmente cruza essas fronteiras.

Willa: Exatamente. É exatamente onde eu estava indo, e você está certa – ela se liga muito bem com "Ben" e expande as ideias que ele estava cantando nessa música. Mas eu acho que há muito mais acontecendo também.
Julia Kristeva é uma teórica literária que é também um psicanalista, e ela acredita que os seres humanos sentem uma ameaça psicológica profunda, quando certos tipos de limites ficam indefinidos ou são contestados ou transgredidos de alguma forma.
 Como ela descreve em Poderes do Horror: Um Ensaio Sobre Abjeções, criamos nossa identidade e definimos quem somos através da criação de fronteiras entre o que somos nós e o que não somos nós, então qualquer coisa que ameace ou quebre essas fronteiras também nos ameaça com dissolução – isso ameaça a nossa identidade no nível psicológico mais fundamental.
Por exemplo, ela diz que é por isso que sentimos desprezo por humanos arruinados, porque ele cruzou a fronteira entre o interior do corpo e fora do corpo, entre nós e não-nós, e obrigou-nos a perceber que os limites mínimos são mais permeáveis ​​do que gostaríamos que fossem, e que nos ameaça a um nível profundo, primal.

Joie: Agora que é realmente interessante! Eu nunca tinha ouvido falar dela antes, mas, eu gostaria de ler esse livro. Parece fascinante.

Willa: Oh, é fascinante, e isso realmente me levou a ver esta questão de cruzar as fronteiras de uma forma muito diferente – e não apenas como uma questão social / política, mas como uma questão psicológica poderosa. Ela também fala sobre cadáveres, e por que eles são tão terríveis para nós:
Se o estrume representa o outro lado da fronteira, o lugar onde eu não sou e que me permite ser, o cadáver, o mais revoltante de resíduos, é uma fronteira que tem invadido tudo. E já não sou em quem expulsa, “eu” sou expulsa. A fronteira tornou-se um objeto. Como posso ser sem margem?
Assim, Kristeva vê a nossa repulsa por cadáveres como o exemplo mais extremo do medo primordial que ameaça submergir-nos quando as fronteiras entre nós e não-nós falham. Como ela diz, "Como posso ser sem margem?"
Ele ameaça nossa própria existência, psicologicamente. Isso ameça quem nós somos, o “eu” que eu estabeleci como eu mesma. E eu acho que isso explica por que os cadáveres figuram tão destacadamente em dois dos mais importantes trabalhos de Michael Jackson, apesar de que ele não gostava de filmes de terror.

Aldebaran deu um exemplo fascinante desse medo profundo de transgredir os limites em um comentário, um par de semanas atrás, quando ela falou sobre um artigo no The Guardian.
Como Aldebaran descreveu, o artigo é sobre uma família birracial que teve gêmeos – um gêmeo nasceu preto e outro branco. Curiosamente, foi o gêmeo branco quem ficou intimidado na escola, tanto que os pais dele o levaram para fora. É um artigo muito interessante sobre as barreiras raciais no local.
A criança intimidada, o gêmeo branco, eles pensaram que ele era realmente negro, mas parecia branco – assim como MJ e o bailarino Arthur Wright. Na escola os professores queriam que o gêmeo branco se retratasse como negro – era irreal.


http://themaninthemusic.blogspot.com.br/2012/05/gemeosbranco-e-preto-james-e-daniel.html

Se olharmos para esta situação através da lente de ideias de Kristeva, as ações dos valentões da escola fazem sentido. Eles não intimidaram o gêmeo "negro", porque ele parecia negro, ele ficou dentro da categoria apropriada e, portanto, não ameaçou a identidade deles. Ele era um negro "seguro".
Mas o outro gêmeo tinha os mesmos pais e o mesmo fundo genético e, portanto, era considerado "negro" pelas outras crianças e até mesmo os professores, mas ele parecia branco.
 Aparentemente, apagar este limite entre preto e branco representava uma ameaça psicológica profunda para aquelas crianças da escola, porque parecia que ele era um deles, mas eles sentiam que ele não era um deles. Eles reagiram a essa ameaça, reforçando a fronteira entre eles e ele – em outras a palavras, eles o intimidaram para deixar bem claro para ele (e eles mesmos) que ele não era como eles.
E, claro, como Aldebaran aponta, esta é "assim como MJ". Ele desafiou as fronteiras raciais, mesmo antes de desenvolver vitiligo, e ele turva muitas outras fronteiras também. E isso provocou uma reação violenta, assim como a reação contra o gêmeo branco-preto.

Joie: Bem, isso é muito verdadeiro, que ele fez. E acho que nós poderiamos fazer o argumento de que as teorias de Kristeva poderiam ser aplicadas ao racismo em todas as suas formas – este "nós contra eles" ou processo de pensamento que sempre nos deixa em apuros.

Willa: Isso é verdade, para antisemitismo, ou misoginia, ou homofobia ou a xenofobia, ou qualquer um dos preconceitos que nos dividem. E como é que nós, como uma cultura, sairemos dessa? Não há razão lógica para que esses limites fossem elaborados da maneira que eles foram – não há nada real ou verdadeiro ou natural sobre esses limites – mas isso não significa que eles não existam, e que não pegam um monte de poder psicológico.
Eu acho que esse é o probelma que Thriller está enfrentando. Podíamos passar meses explorando esta forma mais completa, mas acho que Thriller funciona em um nível psicológico profundo por afrontar diretamente o medo e o horror que sente em relação a qualquer coisa – ou alguém –que transgride as fronteiras que usamos para definir a nós mesmos.
Por exemplo, no tempo que Thriller foi feito, Michael Jackson estava se tornando reconhecido como um símbolo sexual da mesma magnitude como Elvis ou os Beatles ou Frank Sinatra. Foi inédito para um homem negro estar nessa posição, em parte porque os Estados Unidos é um país profundamente racista com proibições fortes contra a atração sexual entre homens negros e mulheres brancas.
Um elemento desse o racismo é uma narrativa cultural de séculos antigos de que os homens negros são supersexuais, que eles não podem controlar os instintos animais deles, que eles são, na verdade, em estupradores. Estatisticamente, uma mulher branca tem muito mais probabilidade de ser estuprada pelo namorado (branco) do que por um estranho (negro) na rua, e essa a mensagem está sendo veiculada de forma mais precisa agora.
Mas no início de 1980, quando Thriller foi lançado,e ainda era muito comum que jovens mulheres brancas fossem avisadas ​​para não andar sozinhas, especialmente em lugares desconhecidos, porque poderiam ser atacados por um assaltante (negro).
Então, o que significa ser um símbolo sexual masculino negro em um país que considera homens negros como incapazes de controlar seus impulsos sexuais? Essa é uma situação extremamente complicada de se estar, e isso é uma das questões que Michael Jackson enfrenta em Thriller.
O filme começa com um adolescente e uma adolescente tendo um encontro. É importante ressaltar que o nome do menino é Michael, então há uma identificação entre o personagem na tela e o prórpiro Michael Jackson  e isso é significativo. Não funcionaria da mesma maneira, se seu nome fosse William ou Gregory.
Este casal de adolescentes está em um carro e eles ficam sem gasolina – uma manobra conhecida para "estacionar" ou fazer, por isso, estamos em uma situação sexual – e de repente somos confrontados com os nossos piores receios.
Este muito reprimido jovem negro perde o controle de si mesmo, ele não consegue controlar o instinto animal dele, ele se torna irreconhecível e ele ataca a namorada. É como uma cena de estupro: ela deitada de costas com medo, ele paira sobre ela, e ele ataca.
Nós não vemos isso, mas ouvimos e vemos as reações da platéia assistindo a essa cena, incluindo um namorado e uma namorada, que estão agora, posicionados no cinema com o público. Ela não pode suportar e vai embora e ele a segue e diz a ela: "É apenas um filme."

Joie: Wow, Willa. Você sabe, eu nunca tinha olhado para essa cena como espelhando um cenário de estupro, antes, mas você está absolutamente certa, isso funciona dessa maneira, não é? Agora eu me sinto idiota por nunca ter sacado antes!

Willa: Bem, está muito sutilmente manuseado e podemos interpretar esta seção introdutória de Thriller de muitas formas, mas é uma maneira é vê-lo como um desafio direto à narrativa cultural racista de que os homens negros não podem controlar o apetite sexual deles. E faz isso através de um brilhantemente processo de duas fases. Primeiro, ele exagera esse mito, inflando-o até o máximoe e enche nossas mentes, por isso nós, como uma nação, somos forçados a ficar cara a cara com os nossos piores receios.
E então ele explode o mito e mostra-nos que é apenas uma ilusão. Nossos medos são apenas um mito, uma falsa narrativa cultural – ou, como Michael nos diz: "É só um filme."
Mas eu quero enfatizar que esta é apenas uma maneira de interpretar Thriller, e para ser honesto, eu não gosto particularmente desta interpretação. É muito específico eparece demasiadamente restritiva para mim. Esses elementos estão, definitivamente, lá dentro, então eu acho que essa é uma interpretação válida, mas para mim, Thriller é muito mais do que isso. É endereçamento às diferenças de modo mais geral, e está funcionando em um nível psicológico profundo, quase pré-consciente.
E o que ele está dizendo –surpreendentemente – é que cruzar as fronteiras não é assustador. É divertido! Isso para mim é a mensagem de Thriller, e que mensagem incrível! Ele está tomando todos esses medos e lançando-os de cabeça para baixo e de dentro para fora.
Thriller é um trabalho incrível de arte. Tudo sobre ele – a forma como a narrativa é estruturada, a forma como os dois personagens centrais reaparecem de novo e de novo, do jeito que é retratado e conec tado á lenda do lobisomen e  do zumbi, do jeito que incorpora canções e danças na narrativa – cada detalhe é impressionante e perfeito. É realmente um brilhante trabalho de arte, mas também é uma obra de arte que trouxe profundas mudanças culturais, e nós estamos apenas começando a olhar para isso de uma forma aprofundada. E eu acho que estamos longe de entendê-lo.

Joie: Eu acho que você está certo sobre isso, estamos muito longe de compreender mais do que Michael estava tentando nos ensinar através da arte dele. Você sabe, de acordo com o Merriam-Webster, uma das definições da palavra profeta é: alguém dotado de mais discernimento espiritual e moral comum, especialmente, um poeta inspirado. Eu acho que essa definição poderia facilmente descrever Michael
Willa:  Oh, eu amo isso! "Um poeta inspirado" – que descrição ótima!

Joie: É bom, não é? E como eu disse antes, eu realmente acredito que cada curta-metragem tinha uma mensagem ou uma lição escondida em algum lugar e era geralmente uma lição sobre como nós devemos tratar uns aos outros com amor e respeito. Eu acredito que era a missão e o propósito dele aqui na Terra e ele completou essa missão da melhor forma que pôde. O resto está vindo a nós agora.