2.
THEY DON’T CARE ABOUT US
Na ponte, um chanfrado
solo de guitarra segue solto sobre o turbilhão de efeitos de sintetizadores e
camadas de forte percussão, palmas, e uma sampleada revista policial. “A seção
da ponte consistia de mais de 300 faixas”, recorda o engenheiro assistente Rob
Hoffman. “[No estágio inicial da música] foi basicamente uma trilha de
cliques... Com Michael e Brad adicionando novos elementos de percussão todos os
dias e Andrew e eu construindo bibliotecas de amostras para ela toda a noite.
Bastões, palmas, tambores, batidas [O] groove
básico foi iniciado no MPC, o resto
da percussão foi EIII e EIIIxp; o 909
de Brad [Buxer] é o chute principal. Alguns dos loucos scanners fx e sons foram adicionados bem no fim, por Chuck Wild. A
ponte da música é louca. Nós tínhamos toneladas de programadores e guitarristas
entrando, e todo mundo enchia a própria 24 track
tape com overdubs... Eddie [De
Lena] e Michael editaram e compilaram isso para um manejável número de faixas
para Bruce [Swedien] mixar.”
(Escrita e composta por Michael
Jacson. Produzida por Michael Jackson. Cordas arranjadas por Michael Jackson.
Vocais: Michael Jackson. Teclados e programação: Brad Buxer, Chuck Wild, Jeff
Bova e Jason Miles. Guitarra: Trevor Rabin e Rob Hoffman. Coro infantil de Los
Angeles conduzido por Annette Sanders)
“They Don’t Care About Us” é uma das mais ponderosas
músicas de protestos que surgiram nos anos 90. No meio do intenso tumulto
politico e racial da época (Rodney King, revoltas raciais, O. J. Simpson, James
Byrd Jr.), ela apresenta uma pancada direcionada contra um aparato de poder abusivo,
corrupto e opressivo. Interessantemente, enquanto a música se tornou um hit Top Ten em países em todo o mundo,
ela não conseguiu passar da 30º posição nos Estados Unidos. Apesar de ser
desdenhada (e estigmatizada) nos Estados Unidos, contudo, “They Don’t Care
About Us” permanece como umas das mais fortes faixas de todo o catálogo de
Jackson.
Ela também se tornou a
mais controversa dele. Antes de HIStory
sequer ser lançado, Bernard Weinraub, do New
York Times, descreveu todo o álbum como “profano, obscuro, furioso e cheio
de raiva”. Em particular, ele assinalou “They Don’t Care About Us”, chamando-a
de “visivelmente crítica aos judeus”. Weinraub estava se referindo às linhas: “Chame-me
de judeu, processe-me/Todo mundo acabe comigo/ Chute-me, chame-me de kike/ Mas não me chame de preto ou
branco”, as quais, ele alegou, eram claramente antissemitas. No contesto da
música, é claro, Jackson estava tentando o exato oposto. “A ideia de que esta
letra poderia ser considerada censurável é extremamente dolorosa para mim e enganosa”,
ele disse em uma declaração. “A música, na verdade, é sobre a dor do
preconceito e ódio e é uma forma de atrair a atenção para problemas sociais e
políticos. Eu sou a voz do acusado e do atacado. Eu sou a voz de todos. Eu sou
o skinhead, eu sou o judeu, eu sou o
negro, eu sou o branco. Eu não sou o que está atacando. Isso é sobre injustiças
para pessoas jovens e como o sistema pode, erroneamente, acusa-los. Eu estou
como raiva e ultrajado por eu poder ser tão mal interpretado.”
Essa declaração não
impediu que os críticos se amontoassem e rotulassem Jackson, que tinha números
amigos íntimos judeus, como um antissemita. Na revisão de HIStory, Jon Pareles, do New
York Times, foi tão longe quanto alegar que “[Jackson] entrega a mentira de
todo o catálogo dele, de temas de irmandade, com uma rajada de antissemitismo.”
A narrativa rapidamente pegou e se espalhou como fogo. Outros, contudo, particularmente
na comunidade afro-americana, defenderam Jackson, alegando que o uso da
linguagem dele não era diferente de como os rappers
usavam o termo “crioulos” como um artifício retórico de “discurso invertido”, a
ideia é fazer epítetos carregados e implantá-los para as extremidades opostas.
Sob contínua pressão,
porém, Jackson acabou gravando uma versão alternativa da música, que borrou
sobre a letra “ofensiva”; além disso, a Sony
incluiu uma explicação e desculpa em todos os álbuns subsequentes.
Negligenciada na
fabricada controvérsia foi a música em si mesma: um rap-pop híbrido brilhante, politicamente potente, inspirado nas
ruas. Ela se tornou uma música que não apenas ressoou para os marginalizados na
América, mas também para aqueles em todo o mundo. Sonoramente e liricamente ela
bate como uma marreta, com Jackson lançando rimas sobre uma crepitante batida
militar, cordas sinistras e refrão inesquecível. Ela é um hino dos oprimidos,
um rap de resistência. “O ritmo
percussivo da música poderia ser as palmas de um jogo escolar ou o protesto
feito com vigorosos tapas em um balcão”. Observa Armond White.
Na verdade, a faixa
começa com que soa como o pátio de uma escola urbana, como uma mulher guiando
crianças em um canto chamada-e-resposta de indignação: “Tudo que quero dizer é
que eles não se importam realmente conosco... Chega, chega deste lixo.” Para
aqueles que supõem que todas as músicas de Michael Jackson devem ser sobre
Michael Jackson, é importante notar que ele começa essa faixa com a voz de
outra pessoa. Quando ele entra, ele está apenas habitando e testemunhando para
essas previamente ignoradas ou desconhecidas vozes. Isso é, dessa forma, um ato
de identificação e fortalecimento.
A letra por toda a
música é uma das mais convincentes e provocantes de Jackson. “Diga-me o que
aconteceu com meus direitos”, ele canta. “Eu sou invisível porque você me
ignora? Sua proclamação me prometeu liberdade”. Ele, mais tarde, fala daqueles
que são vítimas do ódio, vergonha e da brutalidade policial. “Você me privou do
meu orgulho”, ele canta da perspectiva do oprimido. “Eu não acredito que esta é
a terra de onde eu vim.”
Jackson trabalhou com o
renomado cineasta Spike Lee para os dois excelentes vídeos musicais para a canção.
O primeiro foi filmado em uma favela pobre no Rio de Janeiro, Brasil.
Inicialmente, as autoridades do governo local tentaram impedir o vídeo de ser
filmado, temendo que isso fosse atrair atenção para a pobreza da cidade. “Eu
não vejo por que nós deveríamos ter de facilitar filmes que iriam contribuir
com nada para todos os nossos esforços em reabilitar a imagem do Rio”, disse o
Secretário da Indústria, Comércio e Turismo, Ronaldo Cezar Coelho. Mas muitos
residentes sentiram diferentemente. “Todo mundo, de repente, está prestando
atenção no Santa Marta, falando sobre condições sociais, sanitárias e outras
condições aqui”, Sr, de Souza, um residente local, disse ao New York Times. “É um mundo pobre cercado
por um mundo rico, uma ilha de miseráveis cercada pela riqueza.” Tribunais acabaram
por decidir em favor de permitir Jackson e Spike Lee a filmarem o vídeo, o qual
mostra o cantor em um jeans casual e camisetas locais, dançando e se envolvendo
com as pessoas em vários locais por toda a cidade.
Em uma movimentada rua
calçada, ele dança ao lado de duzentos membros de um grupo de percussão
afro-brasileiro, Olodum, que traz uma energia crua e imediatismo à faixa. Enquanto
o vídeo não recebeu muita atenção nos Estados Unidos, ele teve um apelo internacional
e fez uma declaração política que usou o Rio de Janeiro como um microcosmo para
pobreza em todo o globo. Mas ele também mostrou a vitalidade e a energia das
pessoas. A química entre Jackson e as pessoas é extraordinariamente natural e
espontânea. Através da musica e da dança, o vídeo sugere, vem uma alegre
solidariedade que pode, potencialmente, combater barreiras opressivas.
O segundo vídeo foi
gravado em uma prisão de Nova Iorque e foi imediatamente banido pelas redes de TV, devido à montagem de perturbadoras
imagens dele, incluindo espancamentos policiais, guerra, e fome. Por causa do
banimento, (ironicamente), a maioria das pessoas nunca viu a versão prisão, o
qual é um dos mais corajosos vídeos da carreira de Jackson. A filmagem na prisão
carrega profundas implicações, não meramente sobre literais condições de
prisões, mas também sobre a condição de pessoas comuns em uma sociedade
disciplinada por constante vigilância e uma mais internalizada forma de poder.
Jackson entrega a mensagem dele, vestido como um prisioneiro ele mesmo. Junto
com os colegas presidiários dele, ele impetuosamente desafia o status quo, pulando em mesas, erguendo o
punho dele, liderando uma rebelião de prisioneiros, batendo nas mesas exigindo
justiça e humanidade. “Algumas coisas na vida, eles simplesmente não querem
ver”, ele canta. Mas no vídeo, Jackson se certifica de que algumas dessas
perturbadoras realidades serão reveladas. Isso não é divertido ou fácil de
assistir como “Beat It”, mas certamente reforça a poderosa expressão de revolta
e injustiça da música.
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