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sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Releitura de Michael Jackson - parte 2

  

"Eu sou a besta que você visualizou?”

Mas, como temos visto com os visionários, de Sócrates a Galileo, William Tyndale a Charles Darwin, você não pode desafiar tais crenças profundas sem consequências. Em 1993, num momento em que Jackson estava desafiando nossas ideias sobre raça, gênero e sexualidade mais severamente – quando ele estava aparecendo desconfortavelmente diferente e desconhecido para nós e, portanto, era extremamente vulnerável a erros de interpretação –, neste momento crítico, o impensável aconteceu: um homem o acusou Jackson de abusar sexualmente do filho dele.
As provas contra Jackson eram problemáticas, na melhor das hipóteses. A busca intensa do pai por uma grande recompensa em dinheiro alarmou a mãe do menino e o padrasto, que se tornaram convencidos de que o pai estava planejando uma tentativa de extorsão, que o padrasto gravou uma das conversas telefônicas deles. Nessa conversa, o pai admite que pagou pessoas para realizar um "plano que não é só meu", dizendo: "Há outras pessoas envolvidas que estão esperando o meu telefonema, que estarão intencionalmente,  em certas posições. Eu as paguei para fazer isso.” Ele também diz: "Eu fui orientado sobre o que dizer”, e se vangloria: “Se eu continuar com isso, eu ganho grande momento”.
Oito dias depois dessa conversa, o pai, que era dentista, levou o filho para o consultório odontológico dele, onde se juntaram a um anestesista que havia sido convidado a deixar a posição anterior dele, por causa de violações da ética, e, agora, ganhava a vida fazendo biscates. O pai tirou um dos dentes de leite do filho e, em seguida, de forma agressiva questionou o rapaz sobre o relacionamento dele com Jackson. O pai, mais tarde, escreveu uma cronologia baseada na memória dele dos eventos, e a versão dele do dia no consultório odontológico revela um quadro muito preocupante.
Primeiro, o pai começa a conversa por mentir para o filho, dizendo-lhe que: "Eu tinha grampeado o seu quarto", quando ele não tinha, e: "Eu sabia de tudo", quando ele não sabia. Ele, então, fabrica uma história que inclui atos sexuais explícitos e diz ao rapaz que ele sabe que ele e Jackson fizeram essas coisas. O pai pede ao filho para repetir essa história de má conduta sexual, volta-se para ele, dizendo-lhe que: "Eu sabia tudo de qualquer maneira e eu só queria ouvir isso dele". Ele, então, ameaça destruir a carreira de Jackson, se o menino não fizesse o que ele queria, dizendo que se ele não contasse a ele o que ele espera ouvir "então, eu vou ldestruí-lo (Jackson)".
Com base na descrição do próprio pai do que aconteceu naquele dia, é claro que ele questionou o filho dele de uma maneira muito manipuladora e coercitiva. No entanto, não são apenas as palavras do pai que são coercitivas, a situação toda é coercitiva. Por que ele escolheu questionar o menino no seu consultório, imediatamente depois de retirar um dos dentes dele? Isso, para mim, é a parte mais impressionante de toda a história. Eu acho que o pai gostaria de discutir uma questão sensível como essa quando o filho estivesse se sentindo seguro e confortável e livre para falar – não quando ele estava sentado em um consultório odontológico, sangrando de um ferimento infligido a ele pelo pai. Não poderia haver demonstração mais clara de poder paternal, ou a habilidade do pai de realizar as ameaças de infligir dor. De fato, é difícil imaginar uma situação mais assustadora para uma criança que esse interrogatório do filho pelo.
No entanto, é possível que o pai tivesse uma razão para questionar o filho em um lugar e hora tão improváveis: porque ele queria interrogá-lo enquanto ele estava sedado. Na cronologia dele, o pai afirma, claramente, que ele esperou até que filhonão estivesse mais sedado para levantar a questão: "Quando Jordie saiu da sedação, pedi-lhe para me dizer sobre Michael e ele". No entanto, em um a reportagem da KCBS-TV em 3 de maio de 1994, o pai conta a um repórter que o filho dele fez as acusações contra Jackson enquanto sob sedação, embora ele não respondesse à pergunta do repórter sobre o tipo de medicamento usado para sedar o garoto. Se a resposta do pai para a KCBS-TV é verdade, é muito preocupante que o menino tenha feito essas alegações, primeiro, sob a influência de alguma droga desconhecida, especialmente tendo em conta a forma como o pai conduziu o questionamento: com mentiras e ameaças, e a sugestão de determinados atos sexuais.
Apesar das evidências serem duvidosa, o gabinete do Procurador Distrital agressivamente condiziu um processo contra Jackson – e a imprensa e a opinião pública seguiram o exemplo dele. É uma pergunta válida para perguntar se a polícia (e a imprensa, e o público) foi motivada, principalmente, pela evidência ou por má interpretação da personalidade de Jackson por causa da arte dele, por causa da transgressão dos limites tradicionais de gênero, raça e sexualidade. Como Jackson sugere em Ghosts, talvez o verdadeiro crime para o qual ele foi acusado fosse ser  "freak", um "esquisito", e um monte de pessoas parecem ter encontrado o culpado dessa acusação.

  
“Eu sou assustador para você, baby?"
 


De muitas maneiras, Ghosts é o trabalho mais importante de Michael Jackson. Ele não só fornece insights interessantes na análise de Jackson do caso de abuso infantil, mas também fornece uma chave para a interpretação de outro trabalho dele. Ele articula a visão artística de Jackson e da filosofia que a arte deve ser divertida, mas poderosa, mesmo "assustadora" – em outras palavras, que a arte deve encorajar-nos a questionar a nós mesmos, os nossos preconceitos e as nossas concepções, de forma que as podemos sentir "assustadoras" ou ameaçadoras ou desconfortáveis, mas que, finalmente, leva a novos insights. 

Tudo isso indica que a música “Is It Scary”" de Ghosts deve ter algo muito importante a dizer: o título chega ao coração da visão estética de Jackson. No entanto, as letras são desconcertantes. Aqui está um trecho:
 

Eu serei

Exatamente o que você quer ver.

É você quem está me assombrando

Porque você está me querendo

Para ser o estranho no meio da noite.

 

O que significa isso? Esaa música foi escrita numa época em que a opinião pública estava começando a mudar e solidificar de uma nova maneira: as pessoas estavam começando a ver Jackson como um abusador de criança um "Estranho na noite". Ele parece estar se referindo a percepção do público em torno do escândalo. Mas e quando aos versos "Eu vou ser / Exatamente o que você quer ver?". O que significa isso? 

Nas estrofes seguintes, Jackson repete essa ideia – que vai refletir as ideias que estamos projetando para ele – e torna mais explícito:


Estou divertindo você

Ou apenas confundindo você?

Eu sou a besta que você visualizou?

E se você quer ver

Esquisitices excêntricas

Eu vou ser grotesco diante de seus olhos.

Deixe-os todos se materializarem.

 


O que ele quer dizer com isso – por "esquisitices excêntricas" e "Eu vou ser grotesco diante de seus olhos"? E o que ele quer dizer com estas linhas de algumas estrofes mais tarde?


Então me diga,

É que o realismo para você, baby?

Sou assustador para você?

 

O que significa isso? O que exatamente ele está dizendo?


Ee eu estou interpretando isso corretamente, eu acho que significa que precisamos voltar atrás e reavaliar tudo o que pensamos que sabemos sobre a vida de Michael Jackson depois de 1993.