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domingo, 28 de outubro de 2012

Capítulo 2 - Thriller "Billie Jean"


6.                BILLIE JEAN

(Escrita, arranjada e composta por Michael Jackson. Produzida por Michael Jackson e Quincy Jones. Arranjos vocálicos, rítmico e sintetizadores por Michael Jackson. Arranjo de cordas por Jerry Hey. Cordas conduzidas por Jeremy Lubbock. Programação de sintetizador por Bill Wolfer. Engenharia e mixagem por Bruce Swedien. Vocais guias e backgrounds por Michael Jackson. Bateria: Leon Ndugu Chancler. Guitarra baixo: Louis Johnson. Guitarra: David Williams. Emulador: Michael Boddicker. Piano de Rhodes: Greg Phillinganes. Sintetizador: Greg Phillinganes, Greg Smith e Bill Wolfer)


Se alguém tivesse que escolher uma única música para definir Michael Jackson como um artista, teria que ser “Billie Jean”. Com a instantaneamente identificável e sombria linha de baixo e narrativa misteriosa dela, ela contém toda a fascinante tensão e paradoxo do criador dela. Ela é intrigante e perturbadora, explícita e enigmática, confissão e dissimulação. A interpretação visual de Jackson – primeiro na forma do apaixonante vídeo musical e, segundo, através da legendária performance, “Motown 25”, dele – somente aumentou a aura artística dela.

Assim como outros “clássicos” populares, no entanto, há uma tendência a elogiar a “grandeza” dela sem prestar muita atenção ao por que e como ela alcançou esse status. “Mas deixe tocar”, escreveu o crítico musical Mark Fisher, “e você logo estará enfeitiçado pelo drama dela, seduzido para dentro do espaço sonoramente ficcional dela.” Fisher continua, afirmando que uma escuta atenciosa irá revelar que “Billie Jean não é apenas uma das melhores músicas já gravadas, é uma das maiores obras de arte do século vinte, uma multe-nivelada escultura sonora, cujo furtivo, sintético brilho de pantera, ainda produz detalhes e nuances não percebidos anteriormente, trinta anos depois”.

Fisher não está sozinho nesta declaração dele. A BBC proclamou a faixa a “mais incrível gravação de dança de todos os tempos.” Em 2005, em uma lista compilada pela Blander do top 55 singles de nosso tempo, “Billie Jean” conquistou o primeiro lugar. O Guardian a chamou de “uma das músicas mais revolucionárias da história da música popular”.

“Isto foi dito antes”, reafirmou a Rolling Stone, em 2009, “mas não custa repetir: ‘Billie Jean’ é uma obra de arte, e uma que não perde o poder estranho e sombrio dela, não importa quantas vezes você a escuta... Sinuosa, paranoica e onipresente [ela é] o single que fez de Jackson a maior estrela desde Elvis”.

Jackson primeiro concebeu a música em 1981, enquanto dirigia na autoestrada Ventura, em Los Angeles. “Eu queria escrever uma música com uma incrível linha de baixo”, ele recorda, “e poucos dias depois, essa linha de baixo e esta melodia caiu em mim”. De acordo com Jackson, ele estava tão consumido pela construção da música que ele nem mesmo notou que fumaça estava saindo do carro dele até que um motociclista se aproximasse e dissesse que o carro dele estava pegando fogo. “Mesmo quando nós estávamos conseguindo ajuda e encontrando um caminho alternativo para ir onde nós estávamos indo”, Jackson se lembra, “eu estava silenciosamente compondo material adicional”.

Jackson, rapidamente, colocou a música em fita, vocalmente ditando os instrumentos, cordas e partes (o que tinha se tornado uma prática padrão dele), antes de gravar uma demo mais concretizada no estúdio caseiro dele, em Hayvenhurst. A criação de “Billie Jean” é uma perfeita demonstração de como Jackson produzia, não apenas como cantor, mas também como um compositor, arranjador e produtor. Demos anteriores da música revelam um jovem de vinte e quatro anos com um espantoso instinto musical, criatividade e habilidade. Alguém pode escutar Jackson fazendo letras enquanto ele acompanha a música e experimentar com ad-libs, mas todas as partes estavam no lugar, antes mesmo de ela ser levada a Quincy Jones e Bruce Swedien.

Quando Jackson trouxe a música para Quincy Jones, em 1982, ele também demonstrou uma recém-descoberta independência e confiança na visão criativa dele. Quando Jones pressionou para cortar a extensa linha de baixo na introdução e para renomear a música “Not My Lover” (para não ser confundido coma jogadora de tênis, Billie Jean King), Jackson sacou as armas dele. “A introdução para ‘Billie Jean’ era tão longa, que você poderia se barbear durante ela”, recorda Quincy Jones. “Eu disse que nós precisávamos entrar com a melodia logo, mas Michael disse que era o que o fazia querer dançar. E quando Michael diz que algo o faz ter vontade de dançar, você não discute, portanto, ele ganhou.”

Da demo ao produto final, no entanto, a música passou por uma fascinante colaboração evolutiva. Jackson e o time dele estavam determinados a criar uma faixa “com a personalidade sonora mais única” que eles já tinham gravado. No fim, eles foram a elaboradas distancias para alcançar a polidez e a nuance que os ouvintes desfrutam agora. O engenheiro de gravação, Bruce Swedien, teve Jackson cantando vocais overdubs, através de um papelão de cinco pés de comprimento. Quincy Jones trouxe o saxofonista de jazz, Tom Scott, para tocar um instrumento “muito incomum, o lyricon, um sintetizador analógico controlado pelo vento, cujas linhas semelhantes ao trompete são, subitamente, tecidas ao longo da faixa”. As sombrias cordas da música foram arranjadas por Jerry Hey, enquanto o contrabaixista, Louis Johnson, “passou pela parte dele com todas as guitarras que ele possuía, antes que Jackson decidisse por um baixo Yamaha, com um som idealmente espesso e agitado”.

Depois de receber instruções de Quincy e Jackson sobre o som que eles queriam da linha de baixo, Swedien foi ao trabalho, tentando capturar “baterias com sons tão fechados e poderosos quanto eu poderia apresentar”. Não era tão fácil como pode ser hoje, porém. Isso foi antes da tecnologia de samplers e circuitos. Ndugu Chancler, por outro lado, tocou a bateria dele para todo o take, em vez de amostragens de um par de barras. “Michael sempre soube como ele queria que soasse”, lembra Chancler. “Havia, originalmente, apenas uma faixa de bateria nela. Eu vim e toquei uma faixa de bateria de overdubs ao vivo.” Swedien, então, tinha uma plataforma de madeira compensada para bateria, construída com um bumbo, com o microfone fechado, para capturar a totalidade do som. Finalmente, usando um consolo de mixagem de doze canais, ele gravou a seção rítmica. “Eu gravei o baixo e a bateria no meu analógico de 16 faixas”, Swedien recorda “sem equipamento redutor de ruídos no caminho deste som fantástico”.

Porém, a música não estava completamente pronta. “Eu estive mixando ‘Billie Jean’ por apenas dois dias”, recorda Swedien. “Eu estava lá fazendo a segunda e pensei que aquilo era de arrasar! Eu chamei Michael, Quincy e Rod para a sala de controle e (a) toquei para eles. Eles amaram! Eles estavam todos dançando e dançando como loucos. Então, Michael deslizou para fora da sala de controles, voltou e disse que eu o acompanhasse. Daí ele me disse, ‘Por favor, Bruce, está perfeito, mas aumente o baixo só mais um pouquinho e faça apenas mais uma mixagem, por favor. ’ Eu disse a ele: ‘OK, Smelly, sem problemas. ’”

“Então, eu voltei para a sala de controle para acrescentar esse pouco mais de baixo na minha mixagem. Quincy me levou para o canto e disse, ‘Adicione um pouco de sal de alho para o laço e o chute. Agora eu estava mixando ‘Billie Jean’ pela vigésima vez. Bem, isso durou cerca de uma semana. Logo eu estaria mixando a nongentésima primeira vez! Eu (a) toquei para os garotos e todos sorriram. Mas Quincy disse, ‘sabe, apenas pela graça nisso, poderíamos escutar a sua primeira mixagem? ’ Meu coração pulou, porque eu sabia que a primeira mixagem era dinamite. Nós escutamos a segunda mixagem e ela estava batendo! Todo mundo estava se mexendo e dançando. A segunda mixagem foi a decisão final e esta é exatamente o que você escuta no álbum... Veja, se você puder pensar em qualquer outra parte da música, onde você pode escutar as primeiras três batidas de bateria e saber o que a música é”, Swedien diz, “isso é o que eu chamo de personalidade sonora”.

O resultado do comprometimento e a habilidade do time de Jackson foi uma, espantosamente original, excursão de forças, que recompensaram próximos (e repetidos) itens. “Se você puder conseguir se manter focado, enquanto as faixas erguem sua espinha e cai nos seus pés”, escreveu Mark Fisher, “cheque o modo que a primeira corda apunhala a sombra da faixa, como passos de um caçador, desaparecendo no vento, como névoa e boatos. Sinta a tensão crescendo nos seus dentes, enquanto a ponte se precipita em direção ao refrão, começando por uma liberação (“ o cheiro do doce perfume/Isso aconteceu muito de pressa”), que você sabe que terminará apenas em lamento, recriminação e humilhação, mas que você não pode evitar, mas quer de qualquer maneira, deseja tão intensamente, que isso ameaça fragmentar a psique ou expor a forma como a psique está sempre pronta para partir dentro de organismos antagônicos: ‘sempre se lembre de pensar duas vezes’”.

Colegas músicos são tão amáveis quanto os críticos. “‘Billie Jean’ é quente em todos os níveis”, diz o tecladista Greg Phillinganes, (quem tocou piano Rhodes e sintetizador na faixa). “É quente ritmicamente. É quente sonoramente, porque o instrumental é tão mínimo, você pode realmente escutar tudo. É quente melodicamente. É quente liricamente. É quente vocalmente. Ela o afeta psicologicamente, emocionalmente, até mesmo, espiritualmente.”

Após o lançamento, é claro, “Billie Jean” tornou-se um super hit (especialmente depois da performance “Motown 25”). Porém, de muitas formas, ela era uma música estranha para dominar os charts pop. Blender descreveu-a como “uma das coisas mais sonoramente excêntricas, psicologicamente carregadas, absolutamente bizarras, que já chegou ao Top 40 do rádio”. Na verdade, “Billie Jean” está à milhas de distancia das prototípicas músicas de amor, que geralmente permeiam as ondas do rádio e boates (em 1983, “All Night Long”, de Lionel Richie e Patti Austin, e “Come To Me”, de James Ingram, eram representativas do que alguém poderia escutar próximo à obra de Jackson).

A música conta a história de uma mulher que persegue o narrador com acusações de paternidade. “Billie Jean não é minha amante”, ele insiste no refrão, “Ela é apenas uma garota que alega que eu sou o único/ Mas o garoto não é meu filho.” Jackson tem dito que a música foi inspirada por “groupies” obsessivas, incluindo várias que fizeram, na verdade, alegações de que ele era o pai dos filhos delas. Uma garota, aparentemente, até ameaçou se matar, e o futuro filho, se Jackson não se casasse com ela. Para Jackson, portanto, parte da energia emocional da música emana dessas, muitos pessoais – e muito perturbadoras –, experiências.

No entanto, além da narrativa literal e background, “Billie Jean” é um símbolo de muitas coisas: ela representa medo, desconfiança, e decepção; ela representa a sedução, armadilhas da fama; ela representa “mentiras se tornando verdades”.

Tanto na interpretação vocálica quanto na dança de Jackson, ele justapõe dor, raiva, paixão e negação. A música é um tipo de exorcismo, uma liberação dos demônios que o perseguem. No fim, não há solução; ele continua preso em um estado vulnerável. “Isso aconteceu muito depressa”, ele canta. “Ela me chamou para o quarto dela.” Ele atendeu? Ele entrou no quarto? Ela está falando a verdade? Como ela conseguiu consumir a atenção (e a vida) dele? Todas essas dúvidas são deixadas sem respostas, pairando, provocativamente, para que os ouvintes as desembaracem. “Vinte e quatro anos depois” escreveu Richard Cromelin, “a câmara central de Thriller não tem perdido nada do mistério febril dela. Isso está onde o mundo material do álbum oferece um caminho para um interior assombrado... Jackson encontrou uma nova voz aqui, uma voz de vítima, que estremece nas sobras deste extraordinário espaço sonoro, atacando a própria ingenuidade dele e os falsos acusadores, que estavam apenas começando a se reunir à porta dele”.

A obra prima de Jackson continua uma das mais populares músicas de dança no mundo, além de ser uma das mais aclamadas criticamente.



Notas da tradutora:

Overdubs: cantar livremente, apenas fazer sons, cantarolar.
Ad-libs: cantar palavras sem sentido, apenas fazer sons com a boca, também pode significar “dublar”, enquanto a música é tocada.


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